quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Convenções Sociais

Você acorda cedo, se espreguiça, toma banho, escova os dentes, toma café com pão e biscoitos, se veste dentro de um certo padrão, sai de casa em determinada hora, cumprimenta os vizinhos, anda na calçada, pega o transporte certo, desce no local certo, anda certa distância até seu local de trabalho, fala rapidamente com os vizinhos profissionais, bate o ponto, chega na sua mesa, organiza-a, trabalha, almoça com os colegas, volta, faz a mesma coisa que fez mais cedo, segue o mesmo percurso de volta para casa, usa o mesmo transporte fazendo as mesmas coisas (quase não fala com as pessoas, poucas palavras), chega em casa, toma banho, coloca uma roupa X, come aquele leite com pão e bolachas, quem sabe uma sopa, assiste um pouco de TV e vai dormir numa certa posição. No dia seguinte tem mais do mesmo, mas no final de semana as opções também são sempre as mesmas, exceto, talvez, no domingo, quando você sente que pode estar faltando algo, mas se contenta com a programação na TV ou a cerveja sagrada com aquele grupo de pessoas no qual você parece se encaixar por gostos comuns e vai dormir, porque segunda começa tudo de novo e você precisa estar preparado.

Isso, claro, é apenas um pequeno exemplo do que milhões de pessoas fazem em suas vidas, convenções sociais são ideias que as pessoas de todas as camadas da sociedade aplicam em suas vidas, inspiradas ou baseadas em algo que viram ou ouviram, para determinar seus comportamentos, ou simplesmente limitá-los. No exemplo acima há várias convenções pré-estabelecidas e não fazê-las é estar fora do curso "normal" das coisas, há aqueles que ainda aceitam o diferente, desde que o fim da coisa seja o mesmo, mas são poucos ainda assim. A roupa que você veste, como veste, como escova os dentes, como se lava, o que falar ou não falar na rua, em casa e no trabalho etc., tudo, ou quase tudo, que fazemos é determinado por alguma determinação social.

Mas vamos com calma, antes que joguem as primeiras pedras na minha direção, não vim aqui dizer que isso é um problema na sociedade, há muitas coisas que fazemos por determinação de outrem, mas que são assim feitas para que o convívio social se torne possível, sem muitas convenções sociais a vida coletiva, ou mesmo privada, beiraria o impossível, viveríamos sob constante caos. Por exemplo? Andar na calçada, conduzir veículos nas ruas, pedir licença quando quiser passar por alguém, agradecer, educação ao interagir com as pessoas, ajuda mútua etc.. Muitas dessas coisas fazemos inconscientemente, "no automático", fomos ensinados a assim agir desde a primeira infância até hoje e quando nos deparamos com alguém fazendo o contrário, nos sentimos escandalizados, ou simplesmente incomodados, porque tem gente diferente no meio. 

Indo um pouco mais longe, mas não tanto, cito aqui duas pessoas que trabalharam bem isso, uma delas foi Karl Marx, que, ao trazer o termo "ideologia", para caracterizar a dominação da classe dominante (os ricos) sobre a classe dominada (a classe média e as menores), exemplifica bem essa situação das convenções sociais, ou as explica muito mais diretamente. Afinal, é perfeitamente compreensível em nossa sociedade que aquilo que seja dito pelos que estão, teoricamente/socialmente/financeiramente acima da maioria, seja seguido quase cegamente, como uma regra ditada por Deus e é exatamente neste ponto que cito a segunda pessoa.

Louis Althusser fez um trabalho parecido com o de Marx, mas mais profundo, ou mais abrangente. Ele trabalha com o conceito de "imaginário" que nos leva diretamente à ideologia, mais precisamente às ideologias, ideias postas em prática por um grupo pequeno ou grande de pessoas e que são impostas ou mostradas a outros, estes começam a praticá-las como se fossem comum e a interiorizam no sentido de que, ao fazer isso, as colocam para fora em ações e forma de ver o mundo e as pessoas, ou seja, todos aqueles que fazem aquilo são "normais" e os que não fazem, tem algum problema.

Existem muitas coisas que me incomodam nesse mundinho cheio de convenções sociais, mas citarei apenas duas: uma delas é o tal "Manual de Etiqueta" ou "Boas Maneiras" que lhe dizem tudo que você pode ou não fazer no convívio com as pessoas. Algumas coisas ditas neste são perfeitamente compreensíveis, mas outras são, no mínimo, questionáveis. Formas de agir, o que dizer, o que não dizer, o que não fazer etc.. A meu ver isso é uma verdadeira máquina de destruição da subjetividade, daquilo que nos faz humanos, daquilo que nos faz "gente de verdade", porque o que a mídia e manuais falam que devemos fazer estão meramente atendendo a vontade de uma minoria que é mimada demais para conviver com as diferenças das pessoas e, como já dizia uma frase antiga, "são as diferenças que fazem a diferença", se fôssemos todos iguais, o mundo seria terrível. Na realidade, já é! Essa igualdade não permanece no plano do comportamento, mas também na mente das pessoas, que são arrastadas nessa direção e, as vezes, para não dizer na maioria dos casos, como muitos preferem "não pensar no assunto", eles acatam e usam suas forças para defender aquilo, porque pensar é difícil e, as vezes, nos trás conclusões dolorosas sobre a vida.

A outra coisa que me incomoda é quando uma ou mais pessoas tentam impôr a outras aquilo que elas seguem ou acreditam porque "aquilo é o certo a se fazer". É muito comum que em uma mesma cidade grupos distintos sigam determinações diferentes sobre coisas diferentes e, em decorrência da forma como elas ficaram "sabendo daquilo" e por não estarem todos da cidade compartilhando o mesmo ambiente no mesmo momento, encararem a mesma coisa, objeto/comportamento/pensamento, diferentemente. Algumas delas são meramente uma questão de respeitar o espaço do outro, outras, a meu ver, são frescuras sem limites! Por exemplo: é compreensível que, ao ir no cinema, durante o filme, evitemos falar em voz alta e ao telefone, afinal, o ambiente está cheio de pessoas querendo ver o mesmo filme; mas e no seguinte caso (essa eu até ri quando li): na escada rolante você deve ficar do lado direito, porque o esquerdo deve ficar livre para os que tem pressa! Até onde sei, não é permitido andar em escada rolante porque isso danifica as mesmas, fora que quando a pessoa quer passar, ela pede licença, correto?

Esses são apenas alguns exemplos, há coisas que não são faladas, mas compreendidas por pessoas atentas, que podem ser feitas para facilitar o convívio de várias pessoas em um espaço público, mas elas não precisam ser regras. Acho até mesmo necessário ir um pouco mais além nessa postagem (mais do que já foi). Vivemos em um país, mais precisamente em um mundo, onde o capital circulante domina, ou seja, as grandes empresas, e é de seus interesses que as pessoas ajam de determinada forma para que as coisas aconteçam de forma "coesa", ou deveríamos dizer de forma que elas lucrem mais ou que simplesmente atenda os interesses de um pequeno grupo de pessoas por este fato, pura e simplesmente. Esse tipo de "dominação da vontade" é uma verdadeira destruição da subjetividade. Vivemos em um país onde tudo que fazemos é socialmente determinável, onde até o que pensamos precisa ser controlado. O que parecia ser ficção vivida pelas pessoas em livros como "Admirável Mundo Novo" ou "1984" está virando realidade à nossa volta!

Em um mundo onde a subjetividade é cada vez mais soterrada sob o comportamento mecânico, vemos pessoas com vergonha ou até mesmo medo de agirem conforme o que pensam, por mais singelo que seja, para que aquilo não afete a vida em sociedade e a opinião dos outros sobre ela, coisa que está tomando uma proporção aterradora. No caso do Brasil, vemos um governo e mídia cada vez mais presentes nas vidas das pessoas e mesmo aqueles que acham que estão livres dessa dominação, porque dão mais atenção ao que veem na internet do que à TV, também estão sujeitos a uma outra forma de assalto de ideias, mas que acaba sendo a mesma coisa, com outra origem apenas. Muito do que nos é passado, principalmente pela mídia aberta, nos empurra na direção do individualismo, nos fecha em nossos mundo e, consequentemente, nos deixa mais suscetíveis ao controle pelas massas. Aqueles que escapam dessa teia são ostracizados com meia dúzia de adjetivos e similares!

Não existe educação familiar, escolar, pública ou virtual que digam a uma pessoa o que de fato é certo ou errado, por que, via de regra, todas terão o seu pedaço de influência advinda de alguma fonte questionável, a menos, é claro, que essa educação dê espaço para que a subjetividade, a opinião, o ente da pessoa, pense acima daquelas coisas que ela está aprendendo e decida por que caminho seguir ou como agir. No final das contas, cabe ao nosso bom senso e discernimento. Novamente, nem todas as convenções sociais são motivos para um problemas e discussões, mas há muitas que estão em nossa vida por interesse de poucos e por motivos, no mínimo, duvidosos, ou seja, há convenções e convenções, assim como existem pessoas e pessoas no mundo, os adjetivos que vem depois dessas palavras as definirão ou, pelo menos, nos darão uma visão melhor delas.

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