quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Cyberpunk hoje!

Durante muitos anos o gênero Cyberpunk foi um dos meus favoritos. Acho que foi o primeiro gênero (literário, cinematográfico etc.) que eu adotei como favorito. Depois vieram outros. Mas, com o passar do tempo, é normal irmos ressignificando alguns conceitos, com este não foi diferente. O problema, irei chamar assim, é que a proximidade da fantasia deste gênero com nossa realidade, ao meu ver, se tornou grande demais. E é sobre isso que irei tratar nos parágrafos abaixo. Se quiser entrar nessa, clique em "CONTINUAR LENDO" e vamos adiante!

Antes de mais nada, o que é Cyberpunk? Em poucas palavras (e haverão aqueles que discordarão, então me aterei a colocar um misto do conceito com o meu entendimento ao longo dos anos) é um gênero de ficção futurista que considera todas as coisas ruins que a humanidade passa hoje multiplicada em muitas vezes, mas com muita tecnologia no meio. Geralmente.

Como essa parte da tecnologia é razoavelmente relativa, visto que há histórias Cyberpunk em situações onde a tecnologia é baixa e coadjuvante, novamente, me aterei a um conceito base, mas com exemplos.
Tá, mas é só isso? Não.
Cyberpunk se trata de um mundo onde a tecnologia está totalmente imersa no cotidiano. Ela já é parte da realidade da humanidade e a ausência dela, geralmente, torna os indivíduos pouco dependentes ou independentes desta, párias da sociedade. Não raro, esta fusão com a tecnologia é literal: próteses existem não apenas para substituir membros como peças mecânicas para "quebrar o galho" de quem usa, mas como extensões reais e altamente tecnológicas. 
A peça em si é ligada ao sistema nervoso do usuário, movendo-se como uma parte orgânica. Como os braços do protagonista de "Deus Ex", ou os olhos de Batou, em "Ghost in the Shell". Qual a diferença disso para o braço de Furiosa, em "Mad Max Fury Road"? A liberdade e grau de tecnologia envolvida.
Mas eu estou falando do "Cyber". O "Punk", do nome, está na crueza e crueldade da realidade. O mundo, como na saga de Stephen King "A Torre Negra", seguiu adiante, mas não como uma catástrofe sobrenatural e sim como uma catástrofe humana: onde puder haver desigualdade ela será absurda, tratando humanos como peças descartáveis; onde houver violência, idem; governos ditatoriais serão como várias cópias de regimes nazistas, fascistas ou soviéticos; os animais em extinção estarão extintos; a carne de consumo é sintética (artificial, como balas ou chicletes) e a carne advinda de animais é um luxo; oxigênio puro virou produto, pois o ar do dia a dia tornou-se tóxico demais para ser respirado livremente sem que as pessoas sofram consequências em pouco tempo.
Bom, já deu para ter uma noção, não é?
Conheço duas expressões que definem bem o gênero:
"High tech, low life" ("alta tecnologia, vida baixa" em uma tradução livre)
"A vida não vale nada, mas a morte tem um preço"

Os exemplos de produtos que mostram bem essa realidade existem aos montes. 
Passando pelos clássicos que deram visibilidade ao gênero, como o romance de William Gibson, "Neuromancer" (e os demais livros que compõem a chamada "Trilogia do Sprawl": "Count Zero" e "Mona Lisa Overdrive"); o (primeiro) filme de "Blade Runner", dirigido por Ridley Scott, mas baseado no romance "Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?", de Philip K. Dick (que, a propósito, eu recomendo enormemente).
Esses são ótimos exemplos de histórias que se passam em um futuro "não tão distante" onde quase todos os elementos que já citei estão dispostos a olhos vistos. E alguns chegam a ser sentidos.
Para aqueles que preferem quadrinhos (especificamente mangás), há "Ghost in the Shell" (o um e o dois, para quem gosta de aventuras no "cyberespaço"); "Akira" (anime e mangá; muito embora o anime seja apenas uma introdução para a história); "Eden, um Mundo Infinito" (lançado, assim como "Akira", no Brasil).

Em todos estes, a tecnologia está presente na vida das pessoas de modo a ser algo quase indispensável. Desde ferramentas externas a coisas acopladas em seus corpos. Paralelamente, há conflitos sociais, políticos e individuais se mesclando aqui e ali e dando tom às histórias.
Cyberpunk é um gênero intenso.

Mas por que "Cyberpunk hoje!"?
Porque, ao meu ver, todas essas coisas, em um grau embrionário no quesito "cyber", já estão acontecendo. Não é como se nunca tivesse havido períodos de violência (como os que geraram livros excelentes como "1984", de George Orwell), mas hoje a coisa parece "escancarada" e, nem por isso, sua gravidade diminui. Sabemos, hoje, dos casos de violência que ocorrem no mundo, perpetrados por governos totalitários, governos que se propõem democráticos, mas que, por trás, estão fazendo algo reprovável, governos que "deram certo" e são exemplos de "primeiro mundo". Temos empresas que se tornaram verdadeiras "mega corporações" (tema recorrente no gênero Cyberpunk) e tem poder sobre fatias da população. Nem sempre é um poder político, mas controlam a opinião das massas. Os ativismos deixaram de ser aquela parcela diminuta da população que defendia "o bem" para a nação. Suas entranhas estão à mostra, assim como a de grandes empresas e, consequentemente, grandes governos.
Os reis estão nus, tudo isso graças a internet. Chamado, normalmente, de "cyberspace", ou "ciber espaço". Um termo que também é usado na nossa realidade, mas, me parece, ainda é incomum fora dos nichos onde ele é usado corriqueiramente. 
A internet tornou-se o "mundo virtual". O que antes eram pequenas ilhotas de bate papo ou jogos online, permitindo uma "segunda vida" aos usuários, tornou-se algo grande e conectado graças a ferramentas de empresas como a Google (que, em muitos sentidos, pode ser considerada uma "mega corporação").

Acho que já me fiz claro. Se tiver de exemplificar mais esse texto ficará mais longo do que se pretende ser.
O Brasil é, hoje, um país que vive intensamente o "punk" do gênero, ao meu ver. Antes eu precisava imaginar como seria uma realidade tão estupidamente violenta para conseguir conceber contos ou aventuras de RPG em um cenários Cyberpunk. As vezes recorrer a livros, filmes e quadrinhos. Hoje nada disso se faz necessário.
Vivemos em um país de proporções continentais. Nossa cultura é, naturalmente, heterogênea. Mas nossos problemas são "nacionalizados". Todos sofrem com a violência.
Segurança pública em níveis alarmantemente abaixo do esperado. Cidades com os maiores índices de homicídio por cem mil habitantes (inclusive a deste que vos escreve, atualmente, considerada a quarta cidade mais violenta do MUNDO!!! - Obs.: não acho isso legal, não me orgulho disso, não me venha com comparativos. Isso é nojento, triste, fruto de anos de descaso e de projetos de poder mesquinhos e medíocres em todos os níveis), violência urbana se tornou sinônimo de "roleta russa" (você sai de casa sem saber se vai voltar, ou se vai voltar com todos os seus pertences). 
Na rede mundial de computadores, no chamado "mundo virtual", há uma extensão disso: pedofilia, assassinatos e até mesmo suicídios guiados "remotamente". Ódio, preconceito, corrupção (em todos os níveis).
Corrupção faz parte da nossa vida. Não porque somos um povo "mau", mas porque nosso país não nos permite uma vida digna sob o guarda chuva da lei. Consequentemente, isso "sobe" até nossos representantes.
As militâncias e os ativismos são, muitas vezes, cínicos. Como costumo dizer, me parece que as vozes dos moderados foram suplantadas pelas dos radicais.
Isso é Brasil.

E é justamente por essas e outras (coisas que não cito para, novamente, não me estender além do necessário) que penso estarmos vivendo em uma realidade Cyberpunk. A tecnologia do dia a dia está perigosamente próxima à do gênero de ficção. Não no quesito "grau de tecnologia" ou "alta tecnologia", mas no quesito "dependência". 
Redes sociais deixaram de servir apenas para amigos se encontrarem e reencontrarem. Elas se tornaram ferramentas de comunicação de massa onde as coisas mais escabrosas podem ser perpetuadas. Claro, há coisas boas também, mas as ruins estão em alta e viraram moda.
A tecnologia, que veio para facilitar nossa vida, a vida dos humanos, em um sentido prático e operacional, tem dificultado nossas relações, em sentidos emocionais e, consequentemente, psicológicos: aproximaram os distantes e distanciaram os próximos. Não é incomum sentar-se à mesa de uma casa (quando consegue-se achar uma família onde este hábito ainda exista) onde cada integrante, ou a maioria deles, porta um smartphone e utiliza-o durante a refeição.

Violência, ódio, preconceito, cinismo, radicalismo, corrupção.
Todos estes, e outros temas que posso estar esquecendo de colocar acima, são temas que permeiam a vida dos "heróis" em mundos Cyberpunk que são, em sua maioria, anti-heróis: pessoas individualistas e egoístas que podem realizar algum bem para alguém ou alguns, mas se o fizer será no intuito de alcançar algo para si. Não existem virtuosos entre os protagonistas Cyberpunk. Nesse mundo Jesus seria um idealista tolo e Judas receberia os holofotes.

Cyberpunk é hoje. E, por isso, ele perdeu um pouco do seu brilho (fosco?) para mim. 
Eu costumo escrever contos sobre cotidiano. Coisas do dia a dia com pitadas de coisas extras para dar algum movimento à história. Mas quando a fantasia se torna realidade, tudo fica diferente. Ela é interessante a partir do momento em que ainda se encaixa nos conceitos de "fantasia" ou "ficção". E quando a ficção se torna realidade?
Parece tema de filme, mas é o tema da nossa existência. Isso é real. 
Não acho que eu esteja exagerando. Desde o dia em que parei de consultar apenas dois ou três jornais brasileiros para me inteirar sobre as coisas do Brasil e do mundo e passei a olhar veículos alternativos de mídia, assim como jornais escritos na língua inglesa, foi que me toquei de como estamos "avançados" em relação ao gênero Cyberpunk.

Eu não gostava do Cyberpunk porque queria que nossa realidade fosse esta, mas por ser algo catártico (isso pode ser tema de uma futura postagem). Quem aqui já jogou qualquer jogo da linha "GTA" sabe do que eu estou falando (estresse na vida real = engavetamentos e massacres no jogo). Jogos de tiro tem efeito similar sobre algumas pessoas, vai ver foi por isso que "Counter Strike" fez tanto sucesso por aqui, no passado, e levou ao "boom" de lan houses, por um tempo.

Essa postagem foi muito mais um desabafo. Algo que estava preso na minha gargante, ou, no caso, nas juntas dos dedos, e precisava ser posto para fora de alguma maneira.

Mesmo assim, espero que tenha ajudado a você, leitor, de alguma forma que só você conseguirá explicar. A depender, claro, de com que olhos leu esse desabafo.

Por hoje é só. Nos vemos, por aqui, breve,

Paz profunda e Luz em extensão. 

Um comentário:

  1. Boa noite nobre!
    Se observarmos então 1/3 do que escreveste realizariamos a realidade de Cyberpunk 2020 (https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Cyberpunk_2020) de uma temática bem explorada se, assim atualizamos os estados, já que a realidade do escritor foi "limitada". Mas, como um bom mestre e com a imaginação fértil poderemos sim adaptar o universo do livro a tempos atuais. Cyberpunks reais, por outro lado convivi com uma e suas alucinações com sintéticos me fizeram desejar distância...

    Bom, são minhas observações baseadas na minha experiência. Espero ter adicionado algo...

    Grande abraço!

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