quarta-feira, 6 de março de 2019

God of War, um jogo sobre família.

Eu pensei muito sobre fazer ou não essa postagem, mas que mal tem?
Antes que você prossiga, quero deixar claro que esta é a visão de alguém que acompanhou o jogo via vídeos no Youtube. Ou seja, eu nunca joguei, mas penso que, com o que vi, e com meus conhecimentos no assunto, enquanto profissional da Psicologia, posso tecer alguns comentários a respeito do tema. 
Penso que este último God of War, lançado em 2018, é um jogo que, pela sua violência, não é um jogo voltado para famílias inteiras, mas pela forma como aborda o tema, deveria ser jogado, principalmente, por pais, mães e responsáveis por filhos/filhas, adotivos ou não. 
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Antes de prosseguir, novamente, quero deixar claro que aqui escreverei informações que constarão como "spoilers" de alguns jogos da franquia. Então, se não quiser ter sua diversão futura mitigada por certas revelações, é melhor que não prossiga.

God of War, para quem não conhece, é um jogo sobre Kratos, um espartano que quer vingança contra Ares, o deus da guerra. No passado, Kratos liderou seu exército em uma batalha perdida contra bárbaros e teria morrido ali mesmo se não tivesse "vendido sua alma" ao deus da guerra. A oferta foi acatada e, em troca, ele recebeu as tais "Lâminas do Caos", cujas correntes lhe marcaram os antebraços para sempre, mas que lhe fizeram temido como o "Fantasma de Esparta", ou Ghost of Sparta, em inglês.
Um dia, em uma das muitas missões que Ares deu a Kratos, ele matou, em meio à sua fúria e sede de sangue, sua esposa e filha. Fato que o fez nutrir o desejo de vingança contra o deus da guerra. Ou seja, o primeiro jogo se trata dessa vingança e da ascensão do protagonista ao cargo de deus da guerra.
Ademais, nos jogos 2 e 3, Kratos descobre ser um dos muitos filhos de Zeus, o que faz dele um semi-deus de nascença. Mas ele também descobre que estava sendo tapeado pelos deuses, o que o faz estender sua vingança do primeiro jogo a todo Olimpo.
Após assassinar todos os deuses conhecidos, alguns acidentalmente. Ele comete suicídio, sabendo que havia causado morte e destruição pelo mundo, com sua fúria vingativa. Mas, nas cenas finais no terceiro jogo, fica claro que ele não morreu.

Anos mais tarde, para nós em 2018, nos deparamos com um jogo God of War sem número, como se fosse uma continuação. Mas lá encontramos um Kratos mais velho, com barba grossa e quase grisalha, sem as Lâminas do Caos, e sim um machado (chamado de Machado Leviatã) onde, ao invés de chamas, emite gelo, e, para a surpresa de todos, um filho.
O jogo começa com Kratos reunindo lenha para acender a pira de sua esposa recém falecida, Faye. Cujo último pedido foi o de espalharem suas cinzas no pico mais alto do mundo. Pouco depois de reunir as cinzas da falecida esposa, um estranho vai até eles e provoca Kratos até eles iniciarem uma luta frenética, na qual descobrimos que o dito cujo não sente dor (e nem pode morrer, como fica claro depois).
Mas este é um pequeno elemento diante do que quero abordar aqui.

Na jornada para o lugar mais alto do mundo, Kratos e Atreus, seu filho, vivem uma jornada pessoal e familiar. Fica muito claro que Kratos a amava, mas não conseguia dirigir o mesmo sentimento a Atreus; e que este, por sua vez, também a amava, mas não conseguia alcançar o pai, como filho. Essa distância é inteligentemente representada ainda na cena da pira, quando Kratos quer amenizar a dor de Atreus, mas não consegue sequer tocá-lo (por razões emocionais mesmo, nada de misticismo aqui).
Esse distanciamento também fica evidenciado, a princípio por duas coisas muito notáveis: o fato de Kratos chamá-lo constantemente de "garoto" (ou "boy") e de levá-lo para caçar logo após reunirem as cinzas da falecida. Chegando a incentivá-lo a tirar a vida de um alce agonizante com uma faquinha.
Alguns dirão que, pela realidade que eles vivem isso seria normal, um pai levar seu filho para caçar, ensinando-o que não pode ser piedoso com a natureza, ou esta o fará morrer de fome, mas, mesmo nestas sociedades, o luto era respeitado.
Fora que Kratos, apesar de ser um, como dizem por aqui, "jumento batizado" (pessoa bruta), veio de uma civilização com hábitos funerários claros.

O jogo trata desse frágil elo a todo momento. Quase todas as animações e conversas entre os personagens retrata um pouco o estado do laço de pai e filho entre Kratos e Atreus. Porque ele se fortalece e fragiliza ao longo do jogo, pelas razões mais diversas.

Porém, eu não diria que o jogo é sobre família apenas com a experiência vivida por esses dois personagens. O jogo transpira problemas familiares:
- Temos o caso de Baldur, o estranho que ataca Kratos no início do jogo, que fora abençoado/amaldiçoado com a imortalidade e invulnerabilidade (impossibilidade de sofrer danos) ainda novo. Uma façanha que o aterrorizou por mais de um século, visto que o impossibilitou de todas as sensações permitidas pelo tato, ou seja, ele não sente dor, calor, frio, toque etc.. Fato que o fez odiar sua mãe, Freya, por ter lhe feito isso, muito embora ela o tenha feito, segundo ela, pensando no bem dele.;
- Temos o caso da disfuncional família de Baldur, maldita em sua origem: a união entre Freya, líder dos Vanires, e Odin, "pai de todos" os deuses e semi-deuses da mitologia nórdica e/ou escandinava. Uma união forçada e forjada com o intuito de evitar guerras entre os dois povos.;
- Temos o caso de Thor, deus do trovão, e seus filhos Magni e Modi. Dos quais Magni, por ser loiro e mais alto, receber maior atenção tanto do pai quanto de outras pessoas. O que faz de Modi uma figura descartável, mas esforçada, que, tragicamente, é escarnecida e até mesmo surrada por Thor, quando descobrem a morte de Magni nas mãos de Kratos (mesmo sabendo que Modi quase morreu no mesmo embate).;
- Não posso deixar de citar os irmãos Brok e Sindri. Dois anões que ficaram famosos como "Os Irmãos Huldra" (The Huldra Brothers) por terem forjado Mjölnir, o famoso martelo de Thor. Ambos são ferreiros habilidosos que, em determinado momento de suas vidas, e antes do início do jogo, se separaram (eles eram parceiros no ofício), e ficam destilando comentários maldosos um sobre o outro quando são encontrados durante o jogo. Apesar de começarem a fazer, ao longo do jogo, perguntas a Kratos e Atreus sobre a saúde e estado um do outro, até o momento em que se reúnem e tornam-se parceiros novamente. Quero destacar aqui o momento em que eles unem o selo da parceria de ambos, mas que, em relação ao utilizado antes da separação, tem um espaço entre ambos, e, a um deles, é dada a brilhante linha de fala "é o que acontece quando se une algo que foi uma vez separado" (algo assim). O que significa que laços partidos podem ser reatados, mas a marca da separação vai estar sempre presente.

Eu quis destacar estes casos, mas alguns outros casos de famílias e parcerias surgem como "lore" (história de fundo do jogo) ao longo da história. Em algumas delas Kratos faz colocações, com o intuito de ensinar Atreus o que ele pode tirar de aprendizado daquilo. Em outras, na maioria, para ser justo, quem faz esse papel de "professor" ou "conselheiro" é Mimir (a cabeça decepada do antigo conselheiro de Odin. Retirado de sua prisão por Kratos e reanimada por Freya, como um favor para pai e filho).

Fato que é que, com o desenrolar da história, a distância afetiva e até mesmo física entre Kratos e Atreus vai diminuindo. Chegando ao ponto de Kratos poder segurar seu filho pelos braços para falar-lhe sobre a dura vida que deuses tem, quando certas coisas acontecem.

É claro que nem tudo são flores e tentativas de reaproximação. Após tal revelação, Atreus começa a ficar atrevido (sem trocadilhos), arrogante e agressivo. Defendendo bravatas como "somos deuses, podemos fazer o que quisermos", e similares. O que fazem com que Kratos, em determinado ponto, dê uma dura nele, em um momento que, por pouco, não custou a vida de ambos.

O conjunto dessa epopeia familiar culmina com ambos no ponto mais alto, da montanha mais alta, do reino mais alto dos nove reinos, Jötunheim, a terra dos gigantes. Pai e filho, um ao lado do outro, dividindo as cinzas de Faye e espalhando-a pela devastada terra natal da mãe de Atreus. 
O que nos trás a revelação de que ela era uma gigante, o que faz de Atreus meio-gigante e meio-deus. Além da revelação, lida por Atreus nas paredes que contavam sua história, de que sua mãe se referia a ele como Loki (Kratos complementa que, quando ele nasceu, ela queria chamá-lo assim).
Não sabe quem é Loki? Não, não to falando do vilão da Marvel. Procure quem é e qual o papel de Loki na mitologia nórdica. Você entenderá porque essa revelação é bombástica!

Eu sei que apenas falar/escrever pode não transparecer a sensibilidade com a qual a equipe do jogo conseguiu transmitir tais sentimentos e dinâmicas, mas queria muito, pelo menos, escrever a respeito.
Também sei que muito disso pode passar despercebido do público que consome God of War (desde o primeiro), visto que esta franquia sempre foi sinônimo de violência desmedida, além de cenas e sequência brutais de morte. 
Eu só consigo enxergar esse jogo como uma obra de arte retumbante, em seu meio.
Imbuir um jogo com sentimentos e fazer com que sejam percebidos por seus consumidores é algo bem difícil, a menos que estejamos falando de "jogos de relacionamento" e alguns sucessos nas mais diversas plataformas (como Final Fantasy VII, Chrono Trigger, Life is Strange, Walking Dead etc).
Principalmente quando se faz isso em um jogo que é conhecido pela sua violência, como já mencionei.

Gostaria que mais jogos com mensagens como essa fossem feitos. Esse God of War, mais uma, prova de que é possível unir diferentes públicos na frente de um video game para apreciar o que ele tem a oferecer, conseguindo, também, ensinar lições valiosas sobre temas sensíveis.

Por hoje é só. Bom fim de carnaval e de semana a todos.

Paz e Luz.

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